7 de mar. de 2012

Mulheres Guerreiras

Ao longo desse período que estou aqui no Conselho Tutelar posso dizer que a maioria dos atendimentos que prestei, foram a mulheres, mães, avós, tias, madrinhas, meninas, ... guerreiras.

Apresento este texto, neste oito de março, dia internacional das mulheres como uma homenagem a todas as guerreiras que atendi. Ele não, necessariamente, revela a historia de vida de uma delas, mas busca expressar de alguma maneira um pouco de tudo o que eu já vi por aqui, cenas de superação, de amor incondicional a seus filhos, de maternagem, de mulheres que foram, antes de qualquer acusação, vítimas do sistema, da sociedade, do homem (agressor), da falta de oportunidades...

Vamos dar o nome a esta mulher de Maria Aparecida da Silva (fictício), talvez o mais comum por aqui. Ela tem 33 anos, é empregada doméstica, vende Avon, aceita encomendas de bolos e salgados. Tem três filhos, cada um de um pai.

Eram quatro horas da madrugada, quando tocou o rádio do plantão. Do outro lado da linha o Copom da Polícia Militar nos acionava para atender a ocorrência. Perguntamos qual era a situação e o policial nos informou que foram chamados no local após um segurança de 37 anos ter agredido brutalmente sua companheira.

Nos dirigimos ao local, junto com os policiais, conduzimos a situação. Eu cuidando da parte protetiva e os policiais da criminal. O sujeito trabalhava em uma casa noturna e ao chegar em casa, bêbado, pediu que ela preparasse alguma coisa para ele comer. Maria Aparecida ainda estava acordada, cuidava de seu filho mais novo que estava com febre alta. Deixou a criança na cama e foi para a cozinha preparar alguma coisa. Na cozinha o sujeito tentou arrancar dela algum carinho. Sem que consentisse ele forçou algo mais e ela continuou a resistir. Extremamente irritado e violento, ele começou a lhe desferir tapas, socos e chutes. Tirou sua roupa e a violentou sexualmente, enquanto as crianças choravam no quarto. Não contente, na seqüencia ele voltou a lhe espancar, mas com grau maior ainda de crueldade. Colocou-a para fora de casa, xingando a de vadia, vagabunda, etc. No quintal, lhe arrastou pelo chão. Flexionou seu rosto contra a parede, arrancou-lhe sua dignidade. Em meio às cenas de tortura, as viaturas da Policia Militar chegaram. Graças aos novos dispositivos da Lei Maria da Penha o sujeito foi preso em flagrante.

Levamos a mãe para o pronto socorro, escoriações por todo o corpo, duas costelas quebradas, um corte profundo na boca, inchaço nas pernas e braços, toda suja de sangue. Deixamos as crianças sob os cuidados de uma tia que mora em um bairro próximo. Nesse primeiro momento não tínhamos mais nada a fazer, ela precisava ser atendida pelo serviço de saúde, as crianças estavam protegidas na casa da tia e o agressor estava preso. Combinamos com o serviço social do hospital de monitorar o caso e marcarmos atendimento no Conselho, quando ela estiver restabelecida, pelo menos do ponto de vista da saúde.

O acontecido se deu na madrugada de sexta para sábado. Ela ficou hospitalizada sábado o dia todo, veio ter alta médica no domingo a tarde. Segunda-feira mesmo ela compareceu no Conselho, conforme tínhamos combinado. Conversamos longamente com a mãe, uma história de vida marcada por uma infância roubada, natural do sertão da Bahia, veio para Campinas com doze anos de idade. Desde os seis anos de idade buscava água para a família no açude.

- eu andava quase duas léguas moço, do açude até a casa de painho,com uma lata d’água na cabeça.

Não estudou, não brincou, não teve infância. Com doze anos veio para Campinas, estava com um problema de pele e muito magra. Seus pais, com medo de perder ela, assim como havia acontecido com um filho mais velho, mandou a menina vir morar com uma tia que já morava em Campinas para poder se tratar, pois não tinham recurso lá.

Em Campinas se tratou e logo cedo começou a trabalhar. Sua tia lhe ajudou muito, lhe educou, cuidou dela, mas também nunca lhe deu nada que não fosse merecido. Desde muito pequena trabalhou como empregada doméstica. Seu filho mais velho é fruto do relacionamento dela com o filho de uma patroa sua. Ela tinha acabado de completar 18 anos. Logo que souberam que ela estava grávida deram um jeito de dispensá-la. O rapaz não assumiu a paternidade. Mesmo grávida teve de arrumar outro emprego, trabalhou escondendo a barriga até bem perto de ter o bebê. Sua tia continuou a dar apoio, até que com 20 anos se casou com um homem de 32 anos. O sujeito era viúvo, também tinha um filho. Com ele ela viveu cinco anos, neste período teve uma menina, a do meio. Mas o casamento não deu certo, o sujeito não era fiel, chegava em casa com marcas de batom no colarinho, sempre alcoolizado. Não parava em serviço algum. Arrumava emprego, dois, três meses depois estava desempregado novamente. O lugar que ele conseguiu ficar por mais tempo foi numa transportadora, que ficou seis meses. Maria Aparecida se cansou e o colocou pra fora de casa. Nunca deixou de trabalhar, no entanto nunca deixou de lado suas responsabilidades com os filhos, sempre foi uma mãe presente na escola.

Dos 25 aos 31 anos ficou sozinha, trabalhava em dois empregos, sempre que lhe sobrava um tempinho estava inventando alguma coisa para complementar a renda. Com 31, indo pra 32 conheceu o infeliz que hoje está preso. Com ele teve o menino mais novo. Sujeito mais violente que esse ela nunca viu.

- Até nas horas de carinho, doutor, ele era grosseiro.

- Queria que eu fizesse umas coisas nele... que olha, num gosto nem de pensar.

Por fim, feito todo esse histórico de vida, conversamos sobre seus direitos. Demos todos os encaminhamentos necessários para lhe ajudar a superar aquela situação. Viabilizamos vaga em creche para o menino mais novo, requisitamos a inclusão da família no Bolsa Família e no Programa de Enfrentamento a Violência Doméstica. Agendamos atendimento para ela no Ceamo, a encaminhamos para a Delegacia da Mulher para representar o agressor e para o IML para fazer o exame de corpo e delito. Nos pareceu uma mulher muito decidida, de garra, lutadora. Encaminhamos para a Defensoria Pública para mover ação de dissolução da união estável, regularização da guarda de seus filhos e pensão alimentícia.

Três meses depois recebemos relatório da creche informando a situação atual da família. Segundo a unidade a mãe é extremamente cuidadosa com a criança, participativa nas atividades propostas para as famílias na escola.

Hoje, 08 de março, atendo no conselho a mãe que veio espontaneamente. Veio na sua simplicidade para agradecer o que fizemos por ela. Explicamos que não fizemos nada que não seja nossa obrigação de oficio, que na verdade foi ela quem fez por ela mesma e por seus filhos. Com uma aparência bem melhor, relatou que continua trabalhando, mas agora em um emprego só porque está estudando no supletivo. Continua sendo atendida pelo Ceamo. Em sua bolsa, ela, Maria Aparecida, leva, entre outras coisas, um exemplar da Lei Maria da Penha. Essa é a istória (é istória com i mesmo) de superação, garra, determinação e perseverança de mais uma Maria.

A violência de gênero contra a mulher ou a doméstica contra a criança e o adolescente está presente na sociedade. Não podemos deixa de reconhecer isso, ela pode estar acontecendo do seu lado e você ainda não notou. Se perceber qualquer sinal que indique a violência, acione os órgãos de proteção! Vista esta camisa!

· Policia Militar - 190

· Guarda Municipal - 153

· Delegacia da Mulher - (19) 3242-7762 ou 3242-5003

· Conselho Tutelar - (19) 32363378 ou 08007701085

· Disque Denuncia - (19) 32363040 ou 180

· Ceamo - (19) 3236-3619

· Caism Unicamp - (19) 3252-9492

· SOS – Ação Munlher e Família (19) 3232-1544