23 de set. de 2011

A violência nas escolas

Chocados, acompanhamos a cobertura do noticiário, desta vez em São Caetano do Sul, no ABC Paulista, um garoto de dez anos disparou um tiro contra a professora dentro da sala de aula e em seguida, fora da sala, contra sua própria cabeça. O garoto não resistiu e veio a óbito no hospital, a professora foi socorrida e passa bem.

Se observarmos bem, notícias de violência na escola são veiculadas cotidianamente em todo país. Tragédias como essa, obviamente, são mais exploradas pela imprensa, mas elas não trazem fatos isolados. Elas mostram situações limite de uma sociedade que vive a cultura da guerra. Diariamente temos notícias, menos agudas, de violência na escola. Muitos concluem: é o bullying. Pergunto: bullying? Será?

Não acredito que problemas complexos como este se expliquem com respostas simples. O que me irrita com essa historia de bullying é o modismo que se cria em torno de uma palavra em inglês, em que poucos sabem seu significado. Acabamos colocando uma questão complexa em uma tabula raza, no nível do censo comum. A violência é um fenômeno da sociedade contemporânea estudado por diversas áreas da ciência. Não consigo aceitar a idéia de que um garoto comete algo tão extremo por se sentir renegado, discriminado. Acredito sim que isso faz parte, mas não é tudo, não explica.

Embora a palavra bullying tenha no inglês significado mais abrangente, no Brasil, quando a pronunciamos se relaciona a idéia de violência na escola perpetrada por um grupo contra a vitima. Por uma questão pedagógica e de entendimento prefiro trabalhar com a idéia de violência na escola ao invés de bullying. Permite melhor entendimento, maior abrangência do problema e expressa a nossa língua.

A violência na escola acontece de diversas maneiras, tal como acontece na sociedade. A escola não é uma bolha, ela faz parte da sociedade, reproduz valores, conhecimento, cultura e costumes tanto quanto a violência, a intolerância, a ignorância, os contra-valores. Ela não começa de um dia pro outro, numa situação extrema como esta de São Caetano do Sul.

Vivemos nessa sociedade a cultura da guerra. Ao estudar o fenômeno da violência, boa parte dos estudiosos a relacionam com as desigualdades sociais. As estatísticas apontam aumento da violência nas grandes cidades, principalmente nas periferias. O que nos parece correto, mas não o bastante para explicar o problema. O individualismo, a livre concorrência e o consumismo da sociedade contemporânea atravessam todas as classes sociais e contribui diretamente para a construção de uma cultura de guerra.

É preciso entender os processos de transformação que a sociedade passou para entendermos a que vivemos, porque somos seres históricos. O francês Renê Descartes inaugurou o pensamento racionalista na Idade Moderna com seu “cogito ergo sum”, ou seja, penso, logo existo. Na Idade Moderna o centro do mundo está no homem, o ser. Conquanto na sociedade contemporânea o centro do mundo está no ter, período da história marcado pela Revolução Francesa, a partir de onde se desenvolveu e consolidou o regime capitalista no ocidente. O capitalismo passou por alguns estágios até chegar ao atual. O mercantilismo (Séc. XVI a XVIII), o industrialismo que se iniciou em meados do Século XVIII, o keynesianismo na primeira metade do Século XX, o neoliberalismo da segunda metade no pós-guerra, e o globalizado onde se dá por instalado a sociedade do consumo. Ainda no Século XX surge a referência a sociedade da informação. Todas essas referências históricas, ainda que questionadas por algumas tendências, nos permite entender o processo de formação da sociedade que vivemos, doravante o fenômeno da violência. Do “cogito ergo sum” de Descartes no Século XVI temos hoje na internet “tenho Facebook, logo existo”, entre outras coisas, que demonstram o quão consumistas somos. A idéia do ter é imperativa ao ser nesta sociedade. As pessoas matam e se matam para ter e esse ter não necessariamente é algo concreto, na maioria das vezes ele não passa de um ideal.

Óbvio que não explica por si só a violência na escola, mas permite entender que a escola na sociedade contemporânea funciona como uma panela de pressão. Professores mal pagos, inseguros, não sendo respeitados em sua autoridade ou não sabendo exercê-la, vivendo em uma sociedade caótica, tendo que se deslocar de um extremo a outro para preencher a grade de aulas, mal preparados, estressados,... Os alunos: crianças, adolescentes e jovens de uma geração perdida, expostos ao crime organizado, sem referências familiares e institucionais, descrentes com a política, torcedores de futebol, esquecidos pelo poder público, tendo como herói o traficante do bairro, sem perspectivas de vida, sem oportunidades, sem sonhos, marginalizados, ... Os pais: na maioria mães que dão um duro danado para criar seus filhos, mal sabem ler e escrever, quiçá acompanhar o caderno do filho, que não puderam acompanhar de perto o crescimento do próprio filho, que passam mais tempo no trabalho do que no lar, ... Enfim, o que mais seria preciso para entender a violência na escola?

A violência é produto do sistema capitalista, ela reproduz a exclusão social. A escola não pode ficar alheia a tudo isso. É preciso despertar no coração embrutecido de cada um que compõe a comunidade escolar a esperança em dias melhores, reencontrar o sentido da existência, o sonho.


Paulo Roberto dos Santos
Campinas, 22 de setembro de 2011